Cidade/Economia

Retratos do comércio ambulante em Alto Araguaia

Por Cassiane Luisa Mews

 

O comércio ambulante é umas das atividades mais antigas da humanidade. Jesus Cristo podia ser visto no meio do povo humilde e entre barracas nas ruas das cidades por onde passava, como Jerusalém, Cafarnaum e Caná, hoje Oriente Médio. Número pequeno de vendedores possuía condições de ter o próprio empreendimento em uma estrutura construída. Na época, cerca de dois mil anos atrás, muitos eram mascates que iam de lugarejo em lugarejo oferecendo mercadorias em bancas improvisadas.

Antônio se vale de recursos artesanais e gosta do contato pessoal com o cliente. (Foto: Cassiane Luisa Mews)

Antônio se vale de recursos artesanais e gosta do contato pessoal com o cliente. (Foto: Cassiane Luisa Mews)

Nos dias de hoje o grande número de comerciantes ambulantes no Brasil é atribuído por diversos fatores, como as dificuldades impostas pelo mercado de trabalho, a falta de capacitação, de experiência e a desigualdade social. Esse tipo de atuação tende à

informalidade em razão dos pequenos ganhos, o que impede pagamento de aluguel, compra de terreno ou construção de melhores instalações.

 Na capital do estado de Mato Grosso, uma das dez cidades-sede da Copa 2014, mais de 400 comerciantes serão retirados das ruas para assegurar à Fifa e às pessoas por ela indicadas a autorização parca, com exclusividade, divulgar suas marcas, distribuir e  vender. (Leia mais no texto “Copa vai prejudicar vendedores de Cuiabá”).

 Apesar dessas dificuldades, os “comerciantes de calçada” constituem elementos importantes das cidades e economias urbanas pelo mundo afora. Distribuem bens e serviços acessíveis, movimentam o dia a dia da cidade e atraem o interesse de turistas, que os veem como elementos do cenário local.

 Em Alto Araguaia – MT, o comércio ambulante cresce a olhos vistos e os chamados “donos da rua” ganham espaço. São diversos os caminhos que levam essas pessoas de diferentes idades, gêneros e etnias a ocuparem um pedaço da avenida central da cidade (Carlos Hugueney), também BR-364.

Diferentes histórias de vida

É o caso do comerciante Antônio de Souza Flor, natural de Dourados – MS, que começou a trabalhar desde os 12 anos ajudando seus pais na lavoura. Era ele quem colhia os frutos para que fossem vendidos na rua. Aos 14 passou a tomar conta do negócio da família, e assim que adquiriu maioridade comprou um carro. Hoje, aos 38 anos, optou pela formalidade. É microempresário, possui Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ), paga impostos em dia, mas vive como ambulante.

 Pela primeira vez na cidade, o vendedor conquistou vários clientes, com o seu carro estacionado na BR-364 e uma banca improvisada. Assim que raia o sol Antônio começa a comercializar frutas, que vêm de São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. São ameixas, uvas, pêssegos, maças e morangos. Durante esse período do ano as mais vendidas, devido ao Natal, são as três primeiras. O momento festivo também encarece os produtos. Com preços variados e mais acessíveis que os mercados, Antônio vende três bandejas de morango por R$10, cada caixa de ameixa e de pêssego pelo mesmo valor.

 O feirante diz que “o comércio ambulante é mais atraente, pois o brasileiro gosta das bancas nas ruas. Como o dia a dia é muito corrido, ao passar na rua as pessoas têm mais liberdade de chegar e adquirir o produto ao invés de esperar em filas dentro de um supermercado”.

 Ele ainda comenta que “o vendedor ambulante é aquele que não tem paciência de ficar em um lugar fixo, fechado. Ele não fica esperando o cliente chegar, ele aborda, e isso vem do sangue do feirante. A vida do marreteiro é assim, se as vendas estão baixas em uma região, ele vai para outra, e por isso muitas vezes somos vistos como ‘nó cego’, que tiram do comércio local sua clientela”.

“Cabeça Branca”

João Evangelista da Cruz, 53 anos, vive em Alto Araguaia e optou por trabalhar como comerciante informal. Com um carinho

Seu João e seus apetrechos fazem parte do cenário urbano de Alto Araguaia. (Foto: Cassiane Luisa Mews)

Seu João e seus apetrechos fazem parte do cenário urbano de Alto Araguaia. (Foto: Cassiane Luisa Mews)

equipado com os espetinhos, mandioca, molho e farofa, ele chega todos os dias às 16h na praça da igreja matriz (católica), na BR-364, para começar as vendas. Após 10 horas de trabalho o ambulante retorna para casa, situada no bairro Vila Aeroporto.

 Conhecido por “Cabeça Branca”, apelido dado em razão da cor de seus cabelos, ele aponta dificuldades em suas vendas por causa da localização do ponto, ao lado de um bar. “As pessoas acabam bebendo demais e em seguida começam as brigas”. Seo João já presenciou acidentes de trânsito, assassinato. “Certa vez estava sentado em meu banco quando uma garota de programa me chamou para dormir com ela, eu não aceitei e então ela me ameaçou com um canivete e levou uma parte do me dinheiro”.

 O assassinato mencionado pelo comerciante aconteceu em primeiro de março deste ano. O cobrador Antônio Carlos Farias Pimentel, também conhecido como “Bicudo”, levou três tiros na cabeça e um no braço. O crime aconteceu em frente a uma revistaria e conveniência, no centro da cidade, em frente ao ponto de venda de espetinhos do ambulante.

 O fato de ter comércio na rodovia faz com que seo João fature, em média, R$ 300 por semana (cerca de R$ 1,2 mil por mês). Ele comenta sobre a principal motivação para o trabalho: “O que me deixa animado é ver as pessoas bonitas que passam na rua”. No entanto, não pretende continuar na profissão. “O estresse do dia a dia é muito grande e o movimento está fraco”.

Palavra de consumidora

Dona Gonçalina Sebastiana Bastos Campos, 41 anos, autônoma, é uma consumidora nata, e admira o trabalho dos vendedores ambulantes de Alto Araguaia. “Eu penso que é um direito de todos terem um meio de trabalhar. Se não estão matando ou roubando, por que estas pessoas não poderiam vender seus produtos nas ruas? Tem muita gente que não gosta porque acha que eles vão atrapalhar o comércio fixo. Eu gosto dos produtos que encontro nos camelôs e sou cliente deste comércio informal, sim”, comenta, assume e afirma consumidora.

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