Campo Novo do Parecis

“Quero que todas as pessoas tenham condições de viver com qualidade”, diz militante e estudante universitária

Taís Rodrigues Souza

Larissa Pompermayer Ramos tem 25 anos, é estudante e militante de causas sociais. Em 2016, iniciou o curso de Arquitetura e Urbanismo, pela Unemat (Universidade do Estado de Mato Grosso), campus de Barra do Bugres. Foi no curso que ela desenvolveu sua militância. Depois de ter passado por um relacionamento abusivo, começou a se engajar na luta feminista. O início do engajamento se deu com postagens no Instagram, com publicações de conteúdos didáticos e reflexivos abordando temas feministas, especialmente para alertar e conscientizar meninas e mulheres sobre o machismo.

Em 2020, durante a pandemia, foi apresentada a entidades de luta através de uma professora de Urbanismo. Depois disso, assumiu cargos importantes dentro de movimentos sociais no estado de Mato Grosso, como a diretoria da UEE/MT Oeste (União Estadual dos Estudantes do Mato Grosso – região oeste), diretoria de movimentos sociais UJS (União da Juventude Socialista), e diretoria feminista, também dentro da UJS. Além disso, Larissa é atriz, com DRT, e já atuou em companhias de teatro. Também deu aulas em um projeto que levava o teatro às pessoas de baixa renda. 

Nesta entrevista, Larissa explica como se tornou diretora desses movimentos sociais, e quais são suas atuações dentro desses movimentos, além da importância da luta feminista para todos, principalmente para as mulheres. Em breve, ela concluirá o curso de Arquitetura e Urbanismo, e diz como pretende atuar na área, envolvendo questões políticas-sociais. Conta, também, da sua relação com o teatro, e como ele transformou sua forma de ver e de estar no mundo. E o sonho de um mestrado na área de política urbanas e sociais, além de cogitar uma possível carreira na política, onde possa efetivar as mudanças que deseja para todos. 

Como você se tornou diretora de movimentos sociais?

Eu, inicialmente, entrei na União da Juventude Socialista (UJS-MT), onde me chamaram para ser diretora de Frente Feminista Estadual. Assumi com muita felicidade esse cargo, porque eu já realizava outros trabalhos feministas no meu Instagram. Depois disso começaram a ver que eu tinha uma militância também na área estudantil e me chamaram para ocupar o cargo de Diretora Regional Oeste dentro da União dos Estudantes do Estado de Mato Grosso, a UEE-MT. Ainda estou no cargo, meu mandato termina agora no dia 15 (de agosto). Vou ficar muito triste, mas eu fui chamada para ocupar o cargo no executivo da UJS. 

Quais são as suas atuações dentro desses movimentos?

Na UEE (União Estadual dos Estudantes), a gente dá auxílio aos estudantes, eu pego toda essa região oeste: Barra do Bugres, Campo Novo do Parecis, Sapezal. A UEE estava desativada, vão fazer dois anos que a gente reativou. Hoje ela é a maior UEE do Brasil, no Instagram e em redes sociais. A gente faz um trabalho de lutar pelo direito estudantil, tanto em faculdades particulares, quanto em faculdades públicas. A gente auxilia a fazer DCEs (Diretório Central dos Estudantes), CAs (Centro Acadêmicos), auxilia em relação a direitos dos estudantes que são perdidos, cortes de verbas. A gente sabe que existe muito corte aqui no estado de Mato Grosso, então a gente tenta lutar contra essas injustiças estudantis que acontecem, e a gente consegue ter um poder de voz bem ativo. Os estudantes procuram a gente para auxiliá-los, a gente faz live, vai atrás de deputado, governador, e pressiona para que realizem o que prometeram, e também quando tem que ser contra, a gente vai. Dentro da UJS, que hoje é a maior juventude da América Latina, a nossa está começando a se estruturar, porque a gente sabe que aqui no estado tem um conservadorismo muito grande, um coronelismo muito grande, uma direita muito forte, que não entende o quanto é necessário a política social, da gente lidar com causas sociais, e entender que apesar da gente ser um todo, a gente tem que trabalhar com equidade para conseguir conquistar a igualdade. Meu trabalho dentro da UJS, além de auxiliar mulheres, ajudar dentro de campanhas, a gente tem muitas datas em relação aos direitos das mulheres que não ficam em evidência, então a gente evidencia essas datas, a gente puxa as meninas também para derrubar páginas machistas. Eu auxilio muitas meninas que vêm me pedir ajuda em relação à violência doméstica, relacionamento abusivo.  

A luta feminista é a causa que você mais se envolve?

Com certeza. Eu passei por um relacionamento abusivo, na verdade, por mais de um. Mas o pior, que eu sofri todos os tipos de agressão, foi o que me engatilhou para iniciar nessa luta. Eu fui para faculdade, e lá percebi que estava dentro desse relacionamento abusivo. Conheci o grupo feminista da faculdade, e elas me instruíram, e quando saí disso, comecei a falar sobre o que tinha passado. Percebi que quando eu falava sobre isso, muitas meninas reagiram, vinham falar que se identificavam. Percebi que, a minha voz, assim como eu vi que meninas falando sobre isso fizeram com que eu tivesse consciência, eu poderia dar essa consciência para essas mulheres que estavam passando pela mesma coisa que eu. Então, eu transformei minha dor em luta, sempre falo isso. Com a direção dos movimentos sociais, eu comecei a fazer meu TCC da faculdade, que fala sobre urbanismo social: desconstruindo muros invisíveis, do qual eu faço uma crítica social com base no urbanismo e políticas urbanas sociais, para tentar mostrar que todas essas classes que estão junto ao feminismo, como LGBT’s, pessoas negras e periféricas, têm suas individualidades e precisam ser trabalhadas com base social.

Foi na faculdade que você desenvolveu a sua militância?

Sim, na faculdade comecei a desenvolver e conhecer esses grupos. Comecei a fazer Urbanismo, ler livros que falavam sobre políticas urbanas, tanto que na pandemia que eu conheci a UJS. Uma professora minha de Urbanismo que me mandou um curso da UJS sobre feminismo e outro sobre História da Política, e aí eu entrei fazendo o curso e eles me chamaram para participar. 

Você acha que dá para juntar a política com a faculdade de arquitetura e urbanismo? Depois de se formar, você pretende atuar na área?

Eu acredito que tudo é política. Existe uma lei na Constituição Federal que garante que pessoas de baixa renda consigam projetos gratuitos, e ninguém fala muito sobre isso. Hoje, a maioria dos arquitetos busca riqueza, designer, moda, coisas que as pessoas olham e acham que não podem realizar. É muito triste, porque quando a gente estuda urbanismo, a gente estuda direito à cidade, a gente sabe que é um direito básico do ser humano ter um teto, moradia, asfalto, iluminação, esgoto, água potável, e a gente sabe que não tem o mínimo. Eu me apaixonei por isso porque sou apaixonada em ajudar as pessoas. Então, para mim, existem dois caminhos. Um é trabalhar com urbanismo, mas acredito que, infelizmente, aqui no Brasil não vou conseguir uma carreira, porque o urbanismo é muito desvalorizado no país. E, outro, quero fazer um mestrado para ser professora, porque acredito que dentro da sala de aula, posso fazer a diferença para formar arquitetos urbanistas com mais consciência social e desenvolver trabalhos para a comunidade que eu der aula, trazendo minha turma para fazer projetos de extensão, desenvolvendo ações sociais, fazendo projetos para pessoas carentes, que acho que seria de grande relevância. Sempre penso que eu não posso fazer só por mim, se eu for seguir alguma área, sempre vai ter ligação política-social, porque a gente precisa começar a trabalhar mais com um todo, olhar mais para o outro, porque estamos vivendo num mundo muito individualista. 

Você também é atriz, e essa é uma área que sofre muita marginalização. Qual a sua relação com o teatro?

Eu quase fui para a área de Artes Cênicas, mas acredito que elas me influenciaram muito dentro da Arquitetura e do Urbanismo. Porque quando você faz teatro, sua mente muda muito, você conhece um mundo diferente. E eu dei aulas de teatro, em um projeto chamado Aplausos, que era um projeto para pessoas de baixa renda. A gente vê como as crianças são diferentes lá, elas são muito mais carinhosas, afetuosas, carentes de afeto, de atenção. Então a gente percebe a importância do teatro e da arte como uma transformação, porque o teatro te dá uma visibilidade do mundo, em que você pode ser quem quer ser, e que pode realizar seus sonhos. Acho que é muito lindo quando uma criança cresce com essa força de vontade, de saber que é possível realizar. Acho que a arte traz isso, ela tira crianças da rua, transforma vidas e transformou a minha em vários momentos. Isso me influenciou e me influencia até hoje.

Nesse sentido, o teatro ajudou você na construção da sua consciência política ou isso só veio depois com a faculdade?

Ajudou, porque quando você começa a crescer no mundo artístico, vai vendo coisas diferentes, o preconceito vai sumindo. Você tem contato com pessoas de todos os jeitos. Foi a primeira vez que eu tive contato com pessoas gays, por exemplo. Então você começa a ter uma visão de mundo diferente, e também de história. Um exemplo é Saltimbancos, uma peça do Chico Buarque, é um musical que faz uma crítica à ditadura, então eu tive que estudar a ditadura militar, tinha uns 13, 14 anos, comecei a estudar e perceber as críticas sociais. Por que as coisas não estão acontecendo? Por que isso aconteceu? E isso incentiva a querer saber mais sobre tudo.

Foi por iniciativa própria que você quis fazer teatro?

Na minha casa, sempre fui muito incentivada para arte, esporte, minha avó e minha mãe sempre me levaram. Minha mãe também fez teatro e dança do ventre. Enfim, quando eu era criança, fazia de tudo. Quando entrei no teatro, eu fazia dança do ventre, mas vi o teatro e fiquei apaixonada. Minha mãe disse que eu só poderia escolher um, então escolhi o teatro. Foi a pior dor que senti na vida quando tive que deixar os palcos. Eu demorei muito para me conformar que não iria seguir essa área, mas eu sempre a deixo no meu coração, porque alma de artista sempre vai ser mutável, cheia de críticas e atitude. Acho que parte disso me levou para a militância, essa vontade de mudar o mundo, é uma força que vem dos palcos. Quando a gente está em cima de um palco, a gente pensa que pode transformar o mundo, e isso a gente leva para a vida.   

Quais são os seus projetos futuros? O que você pretende fazer, tanto na militância, quanto na sua vida pessoal?

Hoje meu maior anseio é conseguir uma bolsa de mestrado, na área de políticas urbanas e sociais. Vou continuar meus estudos de sistemas de espaços livres, como uma ferramenta para a inclusão social. Estou fazendo um projeto para Campo Novo do Parecis, que vai ser um cinturão verde, com sistemas de ruas completas para unir a cidade, para tentar abraçar essa cidade, criar uma barreira entre o urbano e o rural. Além disso, pretendo continuar na militância. Querem muito trabalhar meu nome político, mas não sei, estão falando de me oferecer um cargo no Conselho do Estado em Cuiabá. Posso ir para a política, mas o mestrado tenho certeza que vou fazer, sendo aqui no Brasil ou fora, porque também penso em ir para fora.  

A carreira na política é uma possibilidade?

Com certeza. Porque quando eu estive em contato com a política pela primeira vez, foi com a galera do PT. Eu vi uma mulher que assumiu a presidência do PT lá na Barra (do Bugres- MT), me encantei e fiquei muito feliz. Aí me filiei ao PT e entrei na UJS, rolou umas coisas e fui para o PCdoB. O pessoal do PT e do PCdoB tiveram um conflito entre eles, porque queriam que eu saísse candidata um para um, e outro para outro. Na época falei que não estava pronta para ser candidata, preciso trabalhar muito isso ainda, e estou estudando. Preciso estar bem preparada mentalmente, porque política não é fácil. Eu recebo muito hate (termo usado na internet para definir pessoas que postam comentários de ódio ou crítica sem muito critério, ou, pessoa que desagrada de alguém ou algo específico) aqui em Campo Novo (do Parecis – MT). Recebo muita crítica forte e sempre penso que não posso fraquejar. Vamos usar uma palavra do presidente, não posso ser uma fraquejada, porque não existe essa possibilidade, por eu ser mulher e, porque, se eu fraquejar, essas pessoas vão vencer. E já passei por tanta coisa nessa vida, que não dá para desistir agora. Acho que tenho uma capacidade enorme, todo mundo tem de fazer uma pequena mudança, mesmo que seja para uma, duas, três (pessoas). Então quando uma pessoa me chama e diz que você ajudou em tal coisa, “você me abriu os olhos para tal coisa”, eu fico muito feliz, porque tudo que eu faço, é porque quero um mundo melhor. Quero ter filhos, e que eles tenham um mundo melhor e que as pessoas possam viver em mais harmonia, que tenham respeito e que possam viver, porque hoje estamos vivendo um governo de morte. Quero que todas as pessoas tenham condições de viver com qualidade. Se eu puder fazer isso, mesmo correndo risco de vida, mesmo com tanta critica, eu vou enfrentar. Por isso, estou cuidando da minha mentalidade e lutando para aprender mais, ser forte e conseguir vencer.

Larissa Pompermayer Ramos, de 25 anos, estudante e militante de causas sociais.

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